Notícias e Orientações Contábeis


Direito Ambiental - Assessoria Jurídica

Algumas questões kafkianas

É inequívoca a evolução do conjunto de normas legais destinadas à proteção dos recursos ambientais pátrios. De uma maneira geral, é irrepreensível seu conteúdo. Em função desse contexto, quando da violação de normas jurídico-ambientais, pode-se ter a necessária responsabilização dos infratores tanto na esfera administrativa, civil quanto criminal.

Não obstante a necessidade da existência desse conjunto de normas legais e respectiva responsabilização daqueles que as infringirem, pode-se observar que em determinadas situações nem sempre as consequências são efetivamente favoráveis nem aos administrados nem e à efetiva proteção ambiental. Nesse sentido, tem-se, por exemplo, dentre muitas outras considerações, a fácil constatação da não periculosidade de determinado agente que supostamente tenha cometido algum dano ambiental e a obrigatoriedade legal daqueles que o responsabilizaram de assim agir.

A título de ilustração tome-se, por exemplo, a situação de alguém que, de boa-fé, adquiriu determinada propriedade em local que após 1965 passou a ser considerado legalmente como sendo Área de Preservação Permanente (APP). Uma vez que se é difícil comprovar a utilização dessa área antes de 1965 exceto através da prova testemunhal, de maneira a caracterizar o direito adquirido para continuar a utilizá-la, para os efeitos legais essa área será tida como de preservação permanente. Portanto, de acordo com uma leitura acanhada da Constituição Federal e do Código Florestal, o adquirente não poderá alterar nem suprimir quaisquer formas de vegetação nessa área, tida, em princípio, como de preservação permanente (APP).

Dentro desse contexto, caso o adquirente venha, por exemplo, a aumentar a área construída em virtude de uma reforma do imóvel existente na propriedade, será autuado pela polícia ambiental por ter, supostamente, alterado ou suprimido vegetação em Área de Preservação Permanente (APP). Ainda que o atual proprietário esteja de boa-fé, alegando que aquela área utilizada para a expansão da área construída há muitas e muitas décadas já não contava com vegetação alguma, sendo utilizada, ao longo dos anos, para os mais diversos fins, a Autoridade Ambiental será legalmente obrigada a lavrar o respectivo Auto de Infração com a Imposição da Penalidade cabível; sob pena de, se não o fizer, incorrer no crime de prevaricação.

Lavrado o Auto de Infração, a Imposição de Penalidade será, em regra, a sanção administrativa de Advertência, Multa ou de Embargo, além de outras cabíveis; isoladas ou cumulativamente.

Desta forma, o autuado, adquirente de boa-fé, terá que parar imediatamente a obra, correndo, inclusive, o risco de perder todo o material e trabalho utilizados; sem prejuízo da obrigação de pagar um determinado valor pecuniário a título de multa administrativa.

Sob a ótica administrativa, caso o autuado considere indevida a lavratura do Auto de Infração e Imposição de Penalidades, poderá ingressar com a respectiva Defesa Administrativa e subsequentes Recursos Administrativos. Para tanto, ainda que sem muitas chances de resolver a situação administrativamente, será muito difícil fazê-lo sem o auxílio de um advogado.

Não o fosse suficiente, além das consequências na esfera administrativa, a Autoridade Policial deverá remeter cópia dos autos para a Polícia Judiciária; que, em função da competência, poderá ser a Polícia Civil ou a Policia Federal. Independentemente da competência, uma vez que tal fato se constitui em um dos crimes contra a flora relacionados na Lei de Crimes Ambientais, em regra, em virtude do tamanho da pena, não é lavrado Boletim de Ocorrência, mas, sim, o denominado Termo Circunstanciado. Este, por seu turno, dará origem ao Processo Penal que tramitará nos Juizados Especiais Criminais. Ainda que seja um crime considerado como de menor potencial ofensivo, como pode ser observado, o adquirente, além de ter sido responsabilizado administrativamente, também será responsabilizado criminalmente.

Vale dizer, o adquirente, atual proprietário do imóvel que, muito embora se parta da premissa que se constituía em pessoa de boa-fé, em virtude de todo o ocorrido passou a ser responsabilizado administrativamente e criminalmente sem saber exatamente o porquê dessa situação. Entretanto, saberá exatamente que terminará por perder tempo e dinheiro.

Como se não o fosse suficiente, continuando na suposição de que o adquirente seja verdadeiramente uma pessoa de boa índole que, em regra, nunca precisou entrar em um fórum, encontrar-se-á, repentinamente, na condição de réu em um processo crime que sabe que não o cometeu. Assim, será citado para comparecer no Fórum, afim de que o Ministério Público ofereça proposta, quando o caso, de transação penal ou de suspensão condicional do processo.

Ainda que o adquirente esteja convicto de não ter violado absolutamente qualquer norma legal, não tendo, pois, cometido crime algum, em regra, desejoso de por fim ao problema, terminará por aceitar a proposta do Ministério Público, pagando a respectiva multa penal e se comprometendo a tomar as medidas necessárias para recuperar o ambiente que o acusam de ter degradado.

Apesar de todo o desgaste acima narrado, terá ainda a infeliz constatação de que, ao tentar requerer do órgão ambiental competente as alternativas para recuperar o meio ambiente degradado, este lhe imporá como condição a obrigação de demolir parte da obra que excedeu a construção que efetivamente já existia na propriedade. Ou seja, de acordo com o órgão ambiental, sua única alternativa será a de demolir e, se assim quiser, fazer a ampliação em solo criado; sem prejuízo da obrigação de vegetar a área recém demolida.

Caso o adquirente não cumpra tais obrigações, o órgão ambiental competente encontra-se na obrigação legal de dar ciência ao Ministério Público para que este órgão tome as providências legais que foram pertinentes. Uma das medidas a serem adotadas pelo Ministério Público será a instauração de um Inquérito Civil Público; podendo, até mesmo, dispensar a instauração deste e, de pronto, ajuizar a respectiva Ação Civil Pública para obrigar o proprietário a cumprir as obrigações relacionadas pelo órgão ambiental competente.

Em resumo, muito embora tanto o adquirente tenha, em seu entender, agido de acordo com a Lei em função da situação fática, assim como todos os demais atores tenham também agido de acordo com a Lei para não lhes ser imputado algum crime correlacionado à eventual falta funcional, movimentou-se, desnecessariamente, uma enorme estrutura administrativa para ao final se concluir que se tratava de direito adquirido do adquirente.

Uma das maneiras também kafkianas de se evitar o problema que, seja ressaltado, não existia, será a de o adquirente ajuizar a competente medida judicial que, em que pese a inscrição do Princípio da Eficiência na Constituição Federal que poderia fazer com que tudo se resolvesse pelas vias administrativas, constituir-se-á em mais uma inequívoca contribuição para atravancar o já atravancado Poder Judiciário no país.

Wlamir do Amaral - Advogado - Professor de Direito