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Direito Ambiental - Assessoria Jurídica
Os recursos hídricos e o setor produtivo
Desde a promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, não existem mais águas privadas no Brasil. A Constituição Federal (CF /88) expressa, em seus artigos 20 e 26, que as águas são apenas de domínio da União (Artigo 20, Inciso III) e dos Estados (Artigo 26, Inciso I). Sequer existem no país, a partir dessa data, águas de domínio dos Municípios.
Muito embora os Municípios não mais tenham o domínio de qualquer curso d’água, todos os entes da Federação (União; Estados; Distrito Federal; e Municípios) são constitucionalmente obrigados a proteger os recursos ambientais; aí inseridos, por suposto os recursos hídricos (CF /88, Artigo 23, Inciso VI)1. A esse propósito, atualmente se fala em recursos hídricos e não em águas em virtude das águas passarem a ser, por força de lei, “um recurso natural limitado” e “dotado de valor econômico” (Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Artigo 1º, Inciso II).
Esse condicionante constitucional faz com que somente a União, os Estados e o Distrito Federal possam outorgar o direito de uso dos recursos hídricos que se encontram sob seus respectivos domínios. Podem fazê-lo tanto diretamente, assim como através de delegação.
Além da Constituição Federal, vários outros dispositivos legais regulamentam a proteção e utilização dos recursos hídricos no país. Ainda que o Código de Águas (Decreto nº 24.643 /34) não tenha sido inteiramente revogado, uma das principais normas legais que rege a matéria é a denominada Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos.
A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos é a Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Como qualquer política pública expressa em Lei apresenta seus princípios (Artigo 1º), objetivos (Artigo 2º), diretrizes (Artigo 3º), instrumentos (Artigo 5º) e, para garantir a efetividade da ação de todos os entes federados (União; Estados; Distrito Federal; e Municípios) na proteção dos recursos hídricos, tem-se também o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Artigos 32 e 33). Dentre os integrantes desse sistema encontram-se os Comitês de Bacia Hidrográfica (Artigo 33, Inciso III).
Uma vez que os Comitês de Bacia Hidrográfica são integrados por membros tanto do Poder Público, da sociedade, quanto do setor produtivo, esse órgão constitui-se em um importantíssimo foro de reunião e debates. De acordo com os respectivos Regimentos Internos dos Comitês, podem ser formadas Câmaras Técnicas; onde são discutidos assuntos específicos de interesse de toda a Bacia Hidrográfica.
De acordo com o Artigo 5º, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, vários são os instrumentos utilizados pela Lei referida. Vale dizer, para sua efetiva implementação, deverão ser utilizados os instrumentos relacionados no referido Artigo 5º. A despeito da importância de todos os instrumentos, há que se destacar os Planos de Recursos Hídricos (Inciso I), o enquadramento dos corpos d’água (Inciso II), a outorga (Inciso III) e a cobrança pelo direito de uso (Inciso IV).
Os Planos de Recursos Hídricos deverão ser aprovados pelos respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica. Constituem-se em verdadeiros planos diretores que, em função de sua situação, devem ter expressamente consignadas as “prioridades para outorga de direito de uso de recursos hídricos” (Artigo 7º, Inciso VIII). Em ouras palavras, torna-se conveniente que toda e qualquer atividade produtiva que utilize, direta ou indiretamente, recursos hídricos, e/ou que possa causar poluição aos cursos d’água, e deseje se instalar em determinada localidade, procure as informações existentes no respectivo Plano de Recursos Hídricos.
Para o estabelecimento das prioridades referidas acima, quando por ocasião da outorga, lança-se mão do denominado enquadramento dos corpos d’água (Artigos 5º, Inciso II, 9º e 10). E, para se proceder a esse enquadramento, ou seja, para se saber qual a qualidade daquele corpo d’água, em regra se utiliza as normas da Resolução CONAMA nº 357, de 17 de março de 2005.2
Enquadrados os corpos d’água tem-se, na seqüência, a possibilidade de efetuar, ou não a outorga requerida (Artigos 11 até 18). Nesse sentido, há que se lembrar do fato de que quanto mais poluído estiver um corpo d’água menor a quantidade de água que o órgão outorgante disporá para outorgar. Desse fato, depreende-se que a outorga deverá ocorrer tanto pela derivação, extração, aproveitamento de potenciais hidrelétricos, outros usos, assim como também em função do “lançamento ... de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos ...” (Artigo 12, incisos I até V). É a adoção pela Lei do já internacionalmente consagrado Princípio do Usuário-Poluidor-Pagador. Aquele que usar e/ou poluir deverá pagar.
Finalmente, quando da ocorrência da efetiva outorga, poderá haver a cobrança pelo direito de uso dos respectivos recursos hídricos outorgados (Artigos 19 até 23). Observe-se que não se trata de outorga de recursos hídricos, vez que tanto a União quanto os Estados apenas têm o domínio aparente do bem. Quem, de fato, detém o domínio do referido bem é o povo. Desta forma, diz-se simplesmente cobrança pelo direito de uso. Usou, pagou. Derivou, pagou. Poluiu, pagou.
Há algum tempo já se afirma que a água se constituirá no elemento que estrangulará o desenvolvimento dos povos. Há quem afirme, até mesmo, que o próximo conflito mundial de grande proporção dar-se-á em função da disputa por recursos hídricos. Portanto, é fundamental que todos tomem a devida consciência. Não apenas o Poder Público, mas também a sociedade e aqueles que exercem a atividade econômica. Uma das formas é participando das reuniões do Comitê de Recursos Hídricos da respectiva Bacia Hidrográfica. A esse propósito, e no que se refere especificamente ao setor produtivo, de acordo com o Inciso IV, do Artigo 39, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, os Comitês de Recursos Hídricos são também compostos por representantes “dos usuários das águas em sua área de atuação”.
Wlamir do Amaral - Advogado - Professor de Direito
1 Leitura a ser combinada com o Inciso V, do Artigo 3º, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente: “recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora” (grifo nosso).
2 Resolução CONAMA nº 357 /05: “Estabelece diretrizes ambientais para os corpos de água e padrões de lançamentos de efluentes”.
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