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Direito Ambiental - Assessoria Jurídica
A importação de pneus usados e o STF
Dentre as ações que podem tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF), encontra-se a Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, também conhecida pela sigla ADPF. A ADPF, em linhas gerais, constitui-se em uma ação que tem por objeto a salvaguarda de um preceito fundamental que se encontre inscrito na Constituição Federal. Encontra-se disciplinada pela Lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999.
De acordo com o artigo 1º (caput) da Lei nº 9.882 /99, sua previsão constitucional encontra-se no § 1º do art. 102 da Constituição Federal (CF /88), a ser proposta junto ao STF e tendo por objeto, conforme colocado acima, “evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. Poderá, inclusive, ser proposta quando “for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (Lei nº 9.882 /99, artigo 1º, inciso I).
A esse último propósito, interessante observar que a ADPF pode ser proposta mesmo quando uma “lei ou ato normativo ... municipal” (grifo nosso) afrontar algum preceito fundamental existente na Constituição Federal. Verifica-se, assim, que, ao contrário da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADPF possui extensa linha de atuação processual.
Dentro desse contexto, em 21 de setembro de 2006, o Exmo. Presidente da República propôs junto ao Supremo Tribunal Federal a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental visando a proibição de importação de pneus usados: ADPF nº 101.
Em extensa peça tem-se na ADPF nº 101 tanto o histórico da importação de pneus usados pelo Brasil, assim como os malefícios que referida importação traz à economia nacional, mas, fundamentalmente, causa ao meio ambiente e à saúde da população.
Ainda que exista o direito constitucional ao exercício da livre atividade econômica (CF/88, artigo 170), existem vários princípios que devem ser obedecidos. Um deles diz respeito à defesa do meio ambiente (CF /88, artigo 170, inciso VI). Outro, diz respeito à saúde (CF/88, artigo 196). Constituem-se, assim, em direitos fundamentais não apenas à existência de um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, mas, também, à existência de uma “sadia qualidade de vida” tanto para aqueles que hoje vivem quantos para aqueles que ainda estão por nascer (CF /88, artigo 225).
O artigo 27 da Portaria DECEX nº 08, de 14 de maio de 1991, já à época (1991), proibia a autorização de “importação de bens de consumo usados”; dentre os quais se encontrava, por suposto, a proibição de autorização de importação de pneus usados. Em 12 de dezembro de 1996, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), utilizando-se como fundamento o que dispunham as normas constantes da Convenção da Basiléia (Decreto nº 875 /93), relativa ao controle de movimentos trans-fronteiriços de resíduos perigosos, editou a Resolução CONAMA nº 23 /96 que, em seu artigo 4º, expressa: “Os Resíduos Inertes – Classe III não estão sujeitos a restrições de importação, à exceção dos pneumáticos usados cuja importação é proibida” (grifo nosso). No mesmo sentido, tanto na Resolução CONAMA nº 235 /98 quanto na Resolução CONAMA nº 258 /99 também se tem a reiteração da proibição da importação de pneumáticos usados.
Ao exemplo da anteriormente citada Portaria DECEX nº 08 /91, foi editada a Portaria SECEX nº 08 /00 que, em seu artigo 1º, expressava: “Não será deferida licença de importação de pneumáticos recauchutados e usados ...”. E, em 2001, o já revogado Decreto nº 3179 /99 sofreu um acréscimo em seu artigo 47 destinado a impor sanções administrativas àqueles que importassem pneus usados sem a devida autorização: “Art. 47-A. Importar pneu usado ou reformado: Multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), por unidade”.
Não obstante tanto a existência de todas as normas legais mencionadas acima, assim como o fato de que algumas situações terem sido modificadas em função do cumprimento de laudo arbitral proferido em favor do Uruguai pelo Tribunal Ad Hoc do MERCOSUL (v.g., Portaria DECEX nº 14 / 04, artigo 40), muitas passaram a ser as liminares concedidas pela Justiça Federal para que as empresas interessadas pudessem importar pneus usados; basicamente sob o fundamento da impossibilidade de se limitar o direito constitucional ao livre exercício da atividade econômica (CF /99, artigo 170). Com a obtenção de tais liminares, no ano de 2005 foram importados aproximadamente 12 (doze) milhões de pneus usados.
Para se ter uma idéia potencial do interesse que esse mercado desperta em determinadas empresas, há uma estimativa de que a Europa tenha um passivo de 2 (dois) a 3 (três) bilhões de unidades de pneus usados para serem vendidos a baixíssimo custo àqueles que desejem adquiri-los. Os Estados Unidos da América do Norte, teriam um passivo semelhante, em torno de 3 (três) bilhões de unidades de pneus usados. Tudo porque em muitos países ou não se tem tecnologia para reciclagem desse produto, ou tal reciclagem resulta em fonte de poluição, ou o custo de sua reciclagem é muito alto.
O Brasil possui hoje um passivo estimado em 40 (quarenta) milhões de pneus usados.
Conforme colocado, não há atualmente tecnologia disponível e barata para a utilização de pneus usados, com o que seria muito difícil se pensar na importação de “lixo” alienígena que, dentre outras considerações, muito prejuízo poderia causar tanto ao meio ambiente quanto à saúde dos cidadãos brasileiros. Não obstante os pneus inservíveis brasileiros sejam utilizados essencialmente ou no preparo de cimento ou no preparo de camada asfáltica, os problemas da poluição gerada por tais utilizações ainda persistem. Verifica-se, pois, que tudo envolve o desenvolvimento de tecnologia limpa e barata para o melhor aproveitamento dos recursos ambientais; conforme, inclusive, reiteradamente colocado nesse espaço.
Face ao exposto, a Exma. Ministra Carmem Lucia, relatora da ADPF nº 101, proferiu extenso voto pela procedência da ADPF 101, ou seja, pela não autorização à importação de pneus usados, tendo sido, inclusive, acompanhada por muitos dos demais ministros do STF.
No momento, a ADPF 101 encontra-se com vistas ao Exmo. Ministro Eros Grau para posterior retorno para julgamento ao Plenário da mais alta Corte Judiciária do país.
Wlamir do Amaral - Advogado - Professor de Direito
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